domingo, 24 de março de 2024

Sobre Lados...

                Nos antigos discos de vinil sempre havia um Lado A e um Lado B; normalmente o Lado A era o melhor, tinha as músicas mais tocadas, enfim, era o que todos queriam... O Lado B era o menos atraente, a gente sequer tinha paciência de ouvir as suas faixas...

        Todo mundo tem um lado A e um Lado B, podemos conviver com isso...O que me magoa um pouco é quando tomam um lado meu por outro.

 

Para Plínio ( Lado a Lado ) 

O sol.

A cadeira ao sol.

E a moça

Sentada sob o sol...

Moldura da minha fantasia;

A tarde inteira;

A noite inteira;

Madrugada de sol...

Mas, a moldura sou eu

E a fantasia é minha.

Quando busco,

A moça se foi.

E só há chuva, muita chuva;

A encharcar a cadeira;

A embaçar a moldura.

 

terça-feira, 19 de março de 2024

"Não me ralo de remorsos" -Ana de Assis

 

         Fui educada em uma família majoritariamente católica. Estudei em Colégio de Padres. Aprendi que para irmos para o céu precisamos nos arrepender dos nossos pecados; não há remorso sem culpa; ela é o primeiro passo para a redenção, São Dimas, o bom ladrão (eita!), expressa o seu arrependimento na cruz e garante um lugar no Paraíso.

            Há um consenso entre a maioria dos teístas que mesmo na hora da morte arrepender-se pode garantir uma pulseira vip. A psicologia também costuma afirmar que um dos traços mais distintos dos psicopatas é a dificuldade que eles têm de sentir remorsos, culpa. Sentir culpa é algo que nos torna mais humanos. Aliás, sentir-se culpado é uma característica da nossa espécie; não veremos um leão angustiado com os restos da zebra que abateu, razão pela qual psicopatas são convenientemente chamados de predadores.

            Sempre evitei a culpa, “o inferno são os outros”, mantive minha convicção psicótica que ironicamente me garantiu alguma saúde mental durante anos. Agora, quem diria, ando cheia de remorsos...De tudo que fiz; do que não fiz do que deveria ter feito...Sou como Orestes, atormentado pelas implacáveis Erínias.

            Fato é que há algum prazer psicótico, predatório, no sofrimento que só os que se perdoaram, aqueles que não se ralam de remorsos, podem evitar. Ana foi uma mulher corajosa...  

terça-feira, 12 de março de 2024

Sobre Navegar em Causas Perdidas

                                        

Tenho um fraco por causas perdidas; o dom do perigo. Cumpro à risca os maus presságios dos marinheiros todos, com uma ingenuidade que dá gosto aos deuses e demônios do Universo.Que eles tenham alguma compaixão da Nau...

 

A reflexão poética a seguir é para Sandro.   


O que sinto desse mistério familiar,

não é nada além da saudade que se apaga aos poucos,

na toada do vento que esculpe as rochas; que bate nas ondas, ressaca, ressaca...

Não é nada além da pedra cantada por Clarice, um voo tentado...

Um quadro recriado pelo artista na composição desgastada pelo tempo,

pentimento...

Não é nada que já não se tenha vivido; um filme batido; um gole amargo, 

um soluço contido; uma palavra calada, um olhar constrangido,

um protesto gravado no muro; o limite do pulo...

Não é nada senão um cansaço antecipado destas coisas todas.

 

(Eu, versão derrotada, sem forças para nadar...)

 


 

terça-feira, 5 de março de 2024

VINHO E VOTOS DE SUBMISSÃO

    Estou viciada em suco de uva com vinho; o vício salva, mas impede que as ideias se conectem de um jeito nobre- ao menos do ponto de vista da nobreza. Bebedeira é coisa de gente sem modos...

    Precisava escrever um texto sóbrio, polido,  sobre o dia  internacional da mulher. Não consigo...o vício é mais forte! Na ausência total de decência tasco Fernanda Young, com os seus votos de submissão. Quero com eles ofender as mulheres; quero insultar o empoderamento; quero jogar pedra na Geni com Schopenhauer. A única causa digna   da  minha devoção  é este suco de uva com vinho. Que ele me possua, sem direito a exorcismos; me impeça de transformar mágoa em poesia, e, sobretudo, me distraia dos reveses.

 O vinho, o verso, o revés; O vinho, o vinho, o revés; O vinho, o vinho, o vinho. Fernanda, Fernanda, Fernanda...

 “Caso você queira posso passar seu terno, aquele que você não usa por estar amarrotado. Costuro as suas meias para o longo inverno... Use capa de chuva, não quero ter você molhado. Se de noite fizer aquele tão esperado frio poderei cobrir-lhe com o meu corpo inteiro. E verás como minha a minha pele de algodão macio, agora quente, será fresca quando janeiro...” 

 (Fernanda Young- Votos de Submissão)