domingo, 16 de junho de 2024

Sobre o Futuro do Pretérito...

    Poetas, ao menos os bons, escrevem para os outros nunca para eles próprios. Eu sempre escrevo para mim. Eu sou a única razão que tenho para escrever, explico:

    Sou cética quanto a vidas passadas e futuras, mas admito que tenho a fantasia de me ler na condição de outra pessoa; vivendo outra vida; em outra época...A que conclusões eu chegaria sobre mim por meio do que escrevi? Como eu me leria, no sentido mais profundo.

     Assim, escrevo para alguém que seria um dia, para esta pessoa desconhecida para a qual também seria uma desconhecida. É esta saudade antecipada de tudo que estaria por vir que me motiva a escrever. 

   Para nós, em qualquer tempo, Fauzi Arapi...

Eu vou te contar que você não me conhece
E eu tenho que gritar isso, porque você está surdo
E não me ouve
A sedução me escraviza a você
Ao fim de tudo, você permanece comigo
Mas preso ao que eu criei
E não a mim

E quanto mais falo sobre a verdade inteira
Um abismo maior nos separa
Você não tem um nome, eu tenho
Você é um rosto na multidão
E eu sou o centro das atenções
Mas a mentira da aparência do que eu sou
E a mentira da aparência do que você é
Porque eu
Eu não sou o meu nome
E você não é ninguém

O jogo perigoso que eu pratico aqui
Ele busca chegar ao limite possível de aproximação
Através da aceitação da distância e do reconhecimento dela
Entre eu e você existe a notícia que nos separa

Eu quero que você me veja a mim
Eu me dispo da notícia
E a minha nudez, parada, te denuncia e te espelha
Eu me delato
Tu me relatas
Eu nos acuso e confesso por nós
Assim me livro das palavras
Com as quais você me veste


 

sábado, 15 de junho de 2024

Sobre todas as nuvens

                                                  

                                                  "O dia deu em chuvoso"

                                                    Álvaro de Campos, in "Poemas"
                                                                     Heterónimo de Fernando Pessoa 

 

    Eu gosto dos dias nublados, talvez por isto São Paulo seja uma das minhas cidades favoritas. Há quem goste de chuva; Há quem goste de sol...Eu gosto mesmo dos dias nublados,onde a chuva e o sol se encontram poeticamente conciliados.  

    Abaixo , a minha reflexão poética sobre um dia chuvoso que deu em nublado.

 

Cai a chuva mansa;

cai na estrada larga;

nas crinas que se balançam;

na cabeça que segue a enxada.

O matuto segue o charco morro acima

vertendo a água do chapéu quando se inclina.

Ele finca a haste da cerca no buraco;

mas quando tateia em lugar arriscado,

sente a picada fina e traiçoeira,

vendo logo a serpente que desliza.

Atordoado, escuta o chocalho maldito,

enquanto pia triste uma ave  na campina.

Recordado da urgência corre em agonia;

E o esforço apressa mais o veneno,

condenando o seu corpo à letargia.

Já tonto e desnorteado  avista a porteira;

um menino que amola a bicheira do gado;

E tudo que era rápido, de repente fica lento...

Rodopia ...E abraçado a chuva, caem.

 

 

 

quarta-feira, 12 de junho de 2024

Sobre Possibilidades...

Dia dos Namorados

    É um dia comercial. Deu em uma quarta-feira. O amor romântico é cafona. A monogamia é contrária à natureza. Mas eu preciso escrever que neste final de semana fiquei “apaixonada” pela paixão de duas criaturas, duas meninas ainda adolescentes. 

    Ju e Carol vocês me fizeram ter vontade de ser 'monogamicamente cafona". A  minha reflexão poética é  para vocês...

 

Tenho jantado com deuses no Olimpo;

que nos controlam o instinto do apetite;

(bem sei,os mais interessantes são os famintos)

Brindo a elas que se comem sem pudor;

entregues a fantasias, cataclismos,

matando a fome no amor...

Enquanto o mundo se derrama em preces;

enquanto nos vestimos de hipocrisia;

enquanto as almas se congelam em teses;

Elas se despem e se inflamam de alegria.

segunda-feira, 3 de junho de 2024

Sobre Iceberg e chamas

 


    Um colega de trabalho, muito querido, me emprestou “toda poesia” de Paulo Leminski. Para continuar na “vibe” cold, posto "iceberg" uma das minhas favoritas. Como não poderia deixar de ser, para compor  o paradoxo, após o iceberg, tasco a minha reflexão poética, chamas. Vai ver não há paradoxo...o gelo também queima.

Iceberg

Uma poesia ártica,
claro, é isso que desejo.
Uma prática pálida,
três versos de gelo.
Uma frase-superfície
onde vida-frase alguma
não seja mais possível.
Frase, não. Nenhuma.
Uma lira nula,
reduzida ao puro mínimo,
um piscar do espírito,
a única coisa única.
Mas falo. E ao falar, provoco
nuvens de equívocos
(ou enxames de monólogos?).
Sim, inverno, estamos vivos.

Paulo Leminski

 

Chamas

A minha alma gêmea está inacabada, sequer nasceu ainda;

Deus deixou -me à metade, se distraiu no WhatsApp;

Esperarei com calma esta chama interrompida.

(Deus, estais online?)

Se eu pudesse escolher uma alma gêmea de estimação, escolheria Fernanda Young , loira, claro.