sábado, 31 de agosto de 2024

Sobre Sinestesia, Clarice Lispector e déjà vu

          Em julho do ano passado fui com um casal de amigos para Aracaju. Fiquei em um apartamento próximo a orla e eles em um hotel. Eu tive a oportunidade de passar algum tempo sozinha e foi muito interessante. Eu me lembro que ouvia muito Alceu Valença. "Flor de Tangerina", uma das músicas, me dava uma sensação de “déjà vu” do futuro (eita!). Não vou tentar explicar , mas é exatamente isto: não raras vezes eu tenho saudade do futuro- uma espécie de cúmulo da nostalgia- Esta música tem aquela sinestesia, sou capaz de sentir o cheiro meio doce meio cítrico da flor da tangerina...

   Érica me enviou uma música que se chama "Patrícia" de Florence And The Machine. Eu simplesmente adorei... Eu quis muito retribuir o "presente", mas a única música que se chama "Érica" é do Calcinha Preta... Acabei optando por Clarice Lispector...

 “O que eu era antes não me era bom. Mas era exatamente esse não-bom que eu havia organizado o melhor; a esperança. De meu próprio mal eu havia criado um bem futuro. (...)  Terei que correr o risco sagrado do  acaso. E substituirei o destino pela probabilidade.”

domingo, 25 de agosto de 2024

Sobre Fernanda , fumaça e algum grito...

 

Hoje boa parte do país respirou fumaça. O céu de muitas cidades ficou branco. O tempo seco e as queimadas nos causaram uma sensação de asfixia.

                Perguntada sobre o que é a vida Fernanda Young citou Kierkegaard : “A vida é o que acontece entre o primeiro e o último grito”. Eu sempre quis definir a angústia que para mim é um dos sentimentos mais complexos que temos; sempre escrevi motivada pela sensação, mas confesso que até hoje sem conseguir um conceito, uma definição, que aplacasse a minha sanha. Hoje, dia 25 de agosto de 2024, faz cinco anos que Fernanda Young partiu. Agora a data também ficará marcada porque pude conceituar a angústia. Angústia  é o grito contido.

 Da Angústia...

Descrever coisas complexas, em especial sentimentos, é algo muito difícil. Tentei transformar a angústia, que exige um conceito, em reflexões poéticas. Na verdade foi um “exercício” angustiante. Espero que seja menos para quem vai ler. Enfim, cada um tem o que merece, ou não tem , porque alguém não vai ter mesmo.

Respira...

Esta noite está estranha. Um não sei o quê  que me assombra.  Nesta noite não há lógica ou sentimento, está tudo silente. Ela não  está fria; não tem rosto; também não está quente, tampouco tem gosto. A noite  está vazia. Ela é um corpo sem alma, suas vestes são nuas e as ruas vão calmas. A noite não está para versos; não está para risos ou lágrimas.   Ela não está clara nem  turva; não pulsa nem está dormente. Ela paira...Uma angústia! Como a morte à cabeceira de um doente.

Solta...

Eu queria reter a angústia por alguns instantes para alcançá-la! Assim, quem sabe eu pudesse olhar em seus olhos; quem sabe compreendê-la. Para isto eu precisaria administrar a minha respiração.  Não tenho senões com a angústia, sendo bem franca eu até  acho que temos muito em comum. O que me incomoda de fato é  ter como certo que estou sempre um passo a frente ou atrás; ela sempre me escapa, fumaça leve ...  O incômodo, o que me asfixia, é nunca coincidirmos. Estou sempre correndo em todas as direções, ofegante demais para que ela encha os meus pulmões; para que eu possa gritar.

domingo, 18 de agosto de 2024

Sobre as tardes de domingo...

     Eu nasci em um domingo, credo! é um dia que associo com cemitérios não com maternidades. Ana me enviou um texto sobre Sílvio Santos. Ela está certa...Domingo é sinônimo de Sílvio Santos e macarronada com queijo ralado por cima. Era o dia em que íamos para a casa da nossa avó. 

    No final da tarde a minha avó passava a mão em uma caixa de velas e me levava com ela para acendê-las no cemitério; um presente para as almas. Só a Dona Luciana para se impor ao Silvio Santos nas minhas memórias de domingo... A seguir o texto de Ana:

 

Silvio Santos se foi… felizmente, em um sábado. Seria inapropriado partir no domingo, afinal esse dia é “de sorrir e cantar.”

                Eu não sei vocês, mas na infância eu “morria” (sim, essa hipérbole mesmo) de medo do Silvio Santos morrer! Eu não poderia superar. Como deixar de ver o meu pai dando gargalhas com o Pica-Pau e o Papa Léguas? Ele (meu pai, não o Silvio) ria a cada explosão e sempre que o Coyote era esmagado por uma bigorna ou por um caminhão. Ah, meu pai, tão politicamente incorreto (trocadilho mesmo, só para que ele não seja julgado por gerações recentes) e tão feliz!!! O Silvio - eu só o chamava de Silvio Santos - lembrava o meu pai - nada politicamente correto! 

                Passado algum tempo, o Silvio estava presente todo domingo - e alivia a falta do meu pai. Com o Silvio, eu comi muito macarrão e frango frito na casa da minha avó. Para minha infelicidade, eu me despedia dele por conta da maldita corrida ou do futebol, que os tios amavam! Mas voltava e tinha o "Roletrando" no lanche da tarde e o Show de Calouros ao jantar. Eu odiava o Pedro de Lara - e hoje me identifico tanto com ele! Eu rezava para que o Silvio morresse quando eu conseguisse viver sem ele! E foi assim. Ele morreu e eu estou criada, mulher feita! Eu aprendi com ele o valor do trabalho, o quanto é bom compartilhar o que se tem. Quantos artistas ele criou? Quantos ele nunca nem mencionou que ajudou!

                Ele se foi no sábado, mas eu percebo que ele fica como patrimônio histórico brasileiro, para mim, quase um familiar! Silvio se fez imortal, por isso muitos não choram hoje! Isso me faz esperar o domingo, porque domingo “é dia de alegria, de sorrir e de cantar!”.

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Sobre como um homem deve abandonar uma mulher...

 


Diga-me adeus, sim ! Suportarei o seu adeus;

Mas diga com algum desassossego;

Para que eu possa supor que ainda há mágica.

Nunca, nunca mesmo,  deixe claro que não lhe farei falta.

Dissimule a sua indiferença, ela afrontaria o meu medo;

E só Deus sabe do é capaz uma mulher rejeitada!

Se for o caso, quase sempre será, opte por um tom trágico;

Muitas reticências  , breves silêncios, frases inexatas...

Melhor uma boa farsa do que a certeza do nada.

( E, querido, se pudesse sair cabisbaixo e confuso seria perfeito!). 

 

P. Ubert  

sábado, 10 de agosto de 2024

O dia em que Fernanda se descobriu mulher...


    Fernanda Young disse em uma das suas entrevistas que se entendeu escritora antes mesmo de ser alfabetizada. E que com o descaso voltado para as  escritoras mulheres teve a súbita consciência de ser mulher. A seguir um poema de Fernanda, inteira:

 

Eu bordo o labirinto quente das minhas veias.

Repito as palavras como mantras, nas voltas que a agulha faz.

Por vezes me furo e não o pano, gosto de levar esse susto.

É a digital de sangue que deixo ali: minhas lágrimas, cervejas, rompantes.

Se me revelo expondo as fraquezas, confusão, raiva.

Não me constranjo.

Há muito cansei de Desculpar-me.

Sou essa, e aceito não ser querida.

Se me arrependo de algo,

Digo aqui e bordarei:

Foi ter saído de mim,

Para deixar alguns entrarem.

 

    Eu que continuo duvidando de tudo...posto uma reflexão poética sobre o que eu seria se fosse escritora e mulher. A única certeza mesmo é que somos o que somos, até que a morte nos separe de tudo mais que supomos. 

 

A  estranha  refletida no espelho fixa os meus olhos.   

Distraio-me com a blusa e o cabelo;  coloco o anel herdado da avó.

É preciso fazer o nó na gravata do marido...

Mas, a implacável medusa emoldurada escarneia das minhas escolhas obtusas;

Você é mulher? Deseja, é desejada?

Como sabe ela do meu Perseu avesso;  que tudo há muito virou mármore! 

As meninas estão prontas; a casa está cheia; mamãe também veio para a festa...

Dinheiro, conforto e  um futuro assegurado; não há espaço para ilusões ou fantasia.

Quase ninguém faz bodas  hoje em dia; estou pronta, meu amado! 

Brindemos a nossa  vida planejada , que ironia! que ironia!

(P.Ubert)

domingo, 4 de agosto de 2024

Sobre poetas, feridas e jardins...

  

    No próximo dia 25 de agosto fará 05 anos que a poeta Fernanda Young partiu deste Éden...Superei, mas não suturei a ferida. Algumas pessoas, muito poucas na verdade, fazem falta ao mundo.

    Para Fernanda, a minha reflexão poética e sanguínea... 

 

Segue a ferida aberta,

escorre o sangue.

Repuxa, lateja.

Enquanto dorme o universo

a lâmina renova o corte;

a sorte declama um verso :

tesoura cega;

agulha incerta;

costura torta;

poema reto.

Descansa poeta!

Neste Éden cheio de mágoas

É o sangue que água as almas.