sexta-feira, 3 de junho de 2016

O Pintor...

Então...Posto um texto que fiz em repudio ao senso comum. Aliás, mais do que senso comum, a igualdade das coisas como sinônimo de harmonia. 


               Aquela era uma cidade verde. Localizada em um país verde. Composta por bairros cujas casas, escolas, igrejas, contratos e impostos eram todos verdes. As pessoas verdes, sempre verdes, eram treinadas para pensar e agir verde. Tudo deveria ser essencialmente verde. Verde claro; verde escuro; verde musgo, quando velhas; verde oliva, quando mortas. Enterradas no cemitério verde; conduzidas verdes plácidas a um Deus verde- acetinado.
  Quando exatamente fora eleita a cor verde ninguém sabia explicar. Mas, por que pensar outras cores se era tão mais fácil seguir o que já estava estabelecido, sacramentado e enverdecido? Ora! Diziam os cultos, o verde é a cor mais adequada; palavra curta, fácil de gastar! É a cor da cura!Diziam os médicos. É a cor da relva, cantavam os músicos... Tudo era tão harmonicamente verde quanto uma mente verde pudesse imaginar.
Um dia, por erro da natureza, nasceu um menino esquisito. Ele nascera todo deformado, colorido! O cabelo de cachinhos amarelos; a pele rosa e macia como pétalas! E os olhos?! Ah! Os olhos eram de um azul tão profundo... Tão infinitamente azuis!
Ao vê-lo os pais sentiram desgosto, mágoa e pena. Levaram na igreja; no curandeiro. Leram livros; viajaram; rezaram; prometeram! E nada surtiu efeito... Pois o menino crescia em graça, cor, e brilho.
-Como criar um filho com tantas cores em um mundo verde? Pintavam-no de verde, mas, sempre havia algum vizinho maldoso que investigava:
- É mesmo verde esse menino?
 Cansado de ficar em casa escondido, o jovenzinho partiu... Ele foi andando pelas ruas verdes, olhando nos olhos das pessoas que se viravam perturbadas. Um velho, já verde-cinza, lhe disse consternado:
- Filho, não faça isso! Sair na rua colorido é muito arriscado!
- O senhor não conhece outro multicor?
- Não vos disse nada, mas, há outro que mora isolado, muito mais sensato, a quem chamam pintor.
O jovem de alma revigorada saiu em busca do pintor. Ele certamente o entenderia; ele certamente aliviaria a sua dor.
 Ele foi se afastando da cidade verde. Deixando para trás toda unanimidade. E na medida em que seguia surgiam infinitas cores. Eram flores, bichos, galhos, rios, compondo paisagens insuspeitadas. As cores eram tão vivas que de repente sentiu-se pálido.
-Então é isso! E enquanto contemplava viu de longe o pintor que procurava.
Porém, antes que dissesse qualquer palavra, o homem virou-se; foi até ele; abriu um largo sorriso; entregou-lhe o pincel e disse:
- Até que enfim um talento! Que bom que veio, eu te esperava!  

(Patrícia Ubert)       

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