Quando eu era criança minha mãe,
movida pela melhor das intenções, comprou para mim e minhas irmãs um suplemento
alimentar com o objetivo de ajudar no nosso desenvolvimento físico e mental.
Tratava-se da coisa de sabor mais horrível que um pobre ser de cinco, seis
anos, pudesse ser condenado a aturar.
No primeiro dia fizemos uma “filinha”.
Ela destampou a garrafa marrom que tinha o desenho de um homem com um peixe
enorme amarrado nas costas. “Emulsão de Scott! Ótimo para a saúde!” A minha
irmã mais velha sempre foi muito ajuizada, logo tomou. Fez uma “carinha ruim”,
mas resignou-se. A mais nova, antecipou-se a mim, com a total inocência do que
a esperava. Tomou! Fez uma série de caretas e pediu um doce para tapear o
gosto. Na minha vez já havia captado todos os sinais de que a coisa era
medonha!
Falei que não queria, mas minha mãe argumentou
que não era ruim; que eu cresceria forte e inteligente. Ela chegou a colher
perto da minha boca e disse autoritária: “Abre a boca e toma!” Comecei a
chorar. Aproveitando-se do momento, em um golpe baixo, enfiou o líquido na
minha boca. Cuspi o que pude, mas parte do gosto que lembrava peixe morto há
dias, permaneceu até hoje na minha memória. Nunca mais comi peixe!
Dali para frente eu sempre corria da
“filinha”, forçando-a a correr atrás de mim com a garrafa e a colher na mão,
dizendo que eu não iria crescer e jamais seria inteligente. Cresci com boa
saúde e um intelecto dentro da média. Mas devo admitir que aquele homem e seu
peixe morto, eternamente amarrado nas costas, deslancharam a minha constante
distorção dos conceitos.
Sempre que alguém, mesmo quando bem
intencionado, me diz que algo é bom; que me trará saúde, prosperidade e felicidade,
convenço-me de que estou diante de um péssimo negócio. Tenho muito menos precaução
com as chamadas porcarias, as coisas que a maioria diz que são ruins. Por esta
razão nunca fui comunista, mesmo sendo de uma geração em que ser comunista
significava ser inteligente e saudável, no mínimo CULT.
Fui um dos poucos alunos que os professores,
em especial os de História, não conseguiram arrebanhar para a “filinha”
comunista. Assim que disseram que o Estado agigantado/paternalista era bom e o enxuto/competitivo
era ruim, cismei... Quando disseram que Cuba era um paraíso e os USA um
inferno, saí correndo deles, sem olhar para trás.
Não sei se existe alguma relação entre o
consumo de Emulsão de Scott e a manutenção das ideias neoliberais. Se houver, é
possível que a nossa esquerda bananosa confisque todas as garrafas. Para mim é
tarde! O estrago já foi feito. Desconfio de todo mundo que diz que vai cuidar dos
meus interesses; que corrompe tudo em nome da coletividade.
Aliás, depois da nossa experiência com
o PT, recomendo que desconfiemos inclusive das mães bem intencionadas.
(Emulsão de Scott com a fórmula que aterrorizou milhares de crianças foi lançada nos EUA em 1876. Embora o óleo de fígado de bacalhau seja utilizado desde o séc. XVIII. Vendido em mais de 160 países, ele é a prova absoluta de que o objetivo do capitalismo é vender o peixe. Muita propaganda, o que leva a mitificação, ao exagero. No entanto, a maioria das mães adotaram os métodos bolcheviques para garantir que os filhos consumissem o tal remédio)
(Emulsão de Scott com a fórmula que aterrorizou milhares de crianças foi lançada nos EUA em 1876. Embora o óleo de fígado de bacalhau seja utilizado desde o séc. XVIII. Vendido em mais de 160 países, ele é a prova absoluta de que o objetivo do capitalismo é vender o peixe. Muita propaganda, o que leva a mitificação, ao exagero. No entanto, a maioria das mães adotaram os métodos bolcheviques para garantir que os filhos consumissem o tal remédio)
Nenhum comentário:
Postar um comentário